Lembrando as lutas de Santa Gema Galgani contra o demônio: Algumas vezes o infernal inimigo tentava triunfar de um só ímpeto por meio de sugestões ímpias


12.07.2020 - Nota de www.rainhamaria.com.br

Publicado no site em 05.03.2017

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Para purificar os Seus escolhidos e fazer deles vítimas de expiação, Deus serve-Se muitas vezes de satanás que, com o seu ódio ao homem, é em Suas mãos o instrumento mais ativo. A Santa Escritura e sobretudo os registros da hagiografia oferecem-nos exemplos numerosos desta conduta da Providência Divina.

Quando o Senhor quis elevar São Paulo da Cruz a um grau mais eminente de santidade, disse-lhe no íntimo da sua alma: “Fazer-te-ei calcar aos pés pelos demônios". Gema ouviu também um dia palavras semelhantes: "Prepara-te, minha filha; por minha ordem o demônio vai declarar-te guerra e dar, por esta forma, o último retoque à obra que realizei em ti”.

Podemos dizer que esta guerra foi geral, isto é, dirigida contra cada uma das virtudes e práticas por meio das quais a jovem virgem se esforçava em caminhar para Deus. Todas desagradavam ao anjo do mal, que as atacou com ódio feroz. Dir-se-ia que, no exercício do seu tenebroso império, não tinha outra preocupação senão perseguir esta pobre menina e procurar meios de a assaltar com tentações.

A oração é o alimento vital da santidade, o supremo caminho que conduz ao Soberano Bem. Desde há muito que Gema a amava e praticava com todo o ardor da sua alma e devia-lhe bens inapreciáveis. O que não fez satanás por afastar a donzela da oração! Nada podendo conseguir com as suas inspirações perversas, provocava-lhe violentas dores de cabeça que teriam levado uma alma menos enérgica antes à indolência e ao repouso que à oração; experimentava mil outros meios para a desviar deste exercício divino.

 “Oh! dizia-me ela, que tormento para mim o não poder orar! Que fadiga eu sofro! E que esforços faz esse velhaco (assim chamava ao demônio) para me tornar a oração impossível! Ontem à noite queria matar-me, e tê-lo-ia feito se não fosse a rápida intervenção de Jesus. Eu estava desfalecida, tinha bem gravado na minha alma o Nome de Jesus, mas não me era possível proferí-lo com a língua”

Algumas vezes o infernal inimigo tentava triunfar de um só ímpeto por meio de sugestões ímpias. “Que fazes tu, lhe dizia, és louca de orar a um malfeitor? Vê como ele te atormenta e te conserva consigo sobre a cruz. Porventura podes amar quem não conheces e quem trata tão duramente os seus melhores amigos” Estas blasfêmias não eram mais que poeira lançada ao vento, mas afligiam profundamente a alma terna e amante, obrigada a ouvir ultrajar assim o seu adorável Jesus.

No meio de tantos sofrimentos, a pobre menina procurava algum conforto no seu pai espiritual, apresentava-lhe as suas dificuldades, implorava conselho e direção. Este humilde e filial recurso não agradava ao espírito das trevas, que via assim diminuir as suas já tão pequenas probabilidades de êxito. Usou de mil artifícios para isolar na luta a Serva de Deus, afastando-a do diretor espiritual. Pintou-lho com as mais desprezíveis cores: como ignorante, um fanático, um iludido. “Nos últimos dias, escrevia-me ela, o maldito fez-me ‘boas’ [peças]. Este monstro queria privar-me do meu guia e conselheiro para me perder; não tenho, porém, receio de que o consiga.”

Parece que esta confiança em Deus deveria desarmar satanás, mas não desarmou. Perante a inutilidade de suas pérfidas insinuações, recorreu à violência física. Logo que Gema tomava a pena para me escrever, tirava-lha das mãos e rasgava o papel; algumas vezes, agarrando-a pelos cabelos, arrancava-a de junto da mesa com tal raiva que lhe ficavam nas mãos brutais madeixas inteiras; e ao mesmo tempo uivava com voz furiosa: “Guerra, guerra a teu pai espiritual, guerra enquanto ele estiver no mundo!’ Seja-me lícito dizer, aqui só entre nós, que nunca passou das palavras. "Acreditai-me, Padre, dizia Gema, ao ouvi-lo, vê-se que este velhaco odeia muito mais a vós do que a mim.”

O demônio levou a audácia até ao ponto de tomar as aparências do seu confessor ordinário. Um dia acabava a menina de entrar na igreja e preparava-se, esperando pelo sacerdote, para a recepção do sacramento da Penitência. Mas qual não foi o seu espanto ao vê-lo imediatamente no seu posto, sem que pudesse saber por onde é que tinha entrado! Sentiu uma grande perturbação interior, que era nela indício infalível da presença do espírito maligno. Entretanto aproximou-se e começou a confissão. A voz que ouvia era realmente a do confessor ordinário, mas as palavras eram escandalosamente indecentes e acompanhadas de atos desonestos. “Meu Deus, exclamou Gema, que é isto e onde estou eu?” A pura menina, tremendo dos pés à cabeça, permaneceu por um instante estonteada, depois sossegou, levantou-se, saiu do confessionário e verificou então que o pretendido confessor tinha desaparecido, sem que nenhuma das pessoas presentes o visse ir.

Não havia dúvida: o demônio procurava com este artifício grosseiro surpreender a santa menina ou pelo menos tirar-lhe toda a confiança no ministro de Deus.

 Tendo falhado este golpe, tentou outro. Apareceu sob a forma de um belo anjo resplandecente de luz e cheio de solicitude pela sua felicidade. Como com Eva no paraíso terrestre, empregou a mais sutil astúcia para conseguir enganá-la. “Olha para mim, dizia ele, posso tornar-te feliz; jura somente que me obedecerás.” Gema, que desta vez não tinha sentido a perturbação reveladora da presença do demônio, ouvia tranquilamente. Mas, logo às primeiras propostas criminosas do espírito perverso, os olhos se lhe abriram e ela se pôs na defensiva. “Meu Deus, Maria Imaculada, exclamou a princípio, vinde em meu auxílio!” Depois, avançando resolutamente para o anjo disfarçado, escarrou-lhe na cara. Desapareceu imediatamente sob a forma duma grande chama vermelha, deixando no assoalho do quarto um montão de cinza.

 Algum tempo depois, novo assalto.

“Ouvi, Padre: escrevia-me Gema, ontem entrava eu em casa, depois de ter me confessado. Aproveitando o momento de solidão, pus-me de joelhos para recitar a Coroa das Cinco Chagas. Ia a chegar à quarta Chaga quando vi diante de mim uma pessoa muito parecida com Jesus. Estava flagelado de há pouco e do seu coração aberto corria sangue em abundância. Disse-me: ‘É assim, minha filha, que me correspondes? Considera o estado em que me encontro. Vês como sofro por ti? E não podes continuar a consolar-me com essas penitências? E no entanto era bem pouca coisa; podias muito bem retomá-las. – Não, não respondi, quero obedecer e desobedeceria se vos atendesse. – Mas enfim, o confessor que tas proibiu foi esse... Ora, tu de nenhum modo estás obrigada a obedecer-lhe. – E acrescentou muitas mais coisas. Nestes perniciosos conselhos reconheci satanás, e estava para tomar a disciplina, como das outras vezes em iguais circunstâncias, quando me senti diferentemente inspirada. Levantei-me, lancei-lhe água benta e desapareceu. Recuperei então a paz, não sem ter recebido alguns golpes com que a besta vil me gratifica de tempos a tempos.”

 Não obtendo outra coisa, o espírito do mal procurava assim levar Gema, contra a proibição do diretor espiritual, a penitências prejudiciais à saúde.

Para protegê-la contra as visões maléficas, ordenei-lhe que a cada aparição sobrenatural exclamasse: Viva Jesus! Nosso Senhor, sem eu o saber, tinha-lhe dado um conselho quase igual. Gema devia dizer: Benditos sejam Jesus e Maria. A dócil menina, para obedecer a ambos, juntava as duas exclamações. Os bons espíritos repetiam-nas sempre, mas os maus ou não respondiam ou se limitavam às primeiras palavras: Viva, benditos. Por este sinal eram reconhecidos, e Gema escarnecia deles.

Com a esperança de lhe inspirar o orgulho, o demônio mostrava-lhe algumas vezes em sonhos, ou mesmo estando acordada, uma procissão de pessoas vestidas de branco que se aproximavam piedosamente do seu leito para a venerar. Descobria-lhe também que as cartas para seu pai espiritual eram religiosamente conservadas com o fim de servirem um dia à sua glória, etc., etc. Vãs tentações, a Serva de Deus era suficientemente humilde para não se deixar levar como Eva pela sedução da vaidade.

Supondo abalar talvez a sua grande confiança em Deus, o maldito aproveitava as ocasiões tão freqüentes de abandono e de cruel aridez espiritual para aumentar em sua alma o horroroso temor da condenação. “Não vês, lhe dizia, que Jesus não te escuta, que já te não quer conhecer? Para que afadigar-te em correr após ele? Só te resta resignar-te com a tua desgraçada sorte” Para os santos foi sempre esta tentação a mais angustiosa. Gema experimentava-lhe toda a violência; mas habituada a recorrer a seu Deus, apesar de tudo e em todas as circunstâncias, com a mais viva fé, como uma criança recorre a seu pai, depressa recuperava a serenidade. Por isso podia dizer-me: “Este celerado cansa-se; quereria ... Mas Jesus com suas palavras inspirou-me tal tranqüilidade que todos os esforços diabólicos não poderiam tirar-me a confiança por um só momento.”

O anjo da soberba, furioso de ver que toda a sua astúcia se malograva aos pés duma humilde donzela, em último recurso tirou definitivamente a máscara, passando a atos de violência. Aparecia-lhe sob as formas horríveis dum monstro ameaçador, dum homem feroz, dum cão raivoso. Depois de ter assim procurado aterrorizá-la, precipitava-se sobre ela, batia-lhe, rasgava-lhe a pele, atirava-a dum lado para outro no quarto como se fora uma rodilha; arrastava-a pelos cabelos e martirizava de todas as maneiras possíveis os seus inocentes membros. E não julguemos que tudo isso se limitava a impressões puramente imaginárias, porque os efeitos sobre o corpo da vítima persistiam por muito tempo: cabelos arrancados, carnes lívidas, ossos quase esmagados, dores atrozes. Algumas vezes ouvia-se o barulho das pancadas, via-se o leito mudar de lugar e elevar-se da terra para cair bruscamente. Estes vexames duravam sem interrupção horas inteiras e algumas vezes toda noite.

Deixemos Gema falar a este respeito. A simplicidade do seu estilo e a ingênua sinceridade da sua alma dispensam-nos de fazer comentários. 

“Hoje, que me julgava livre desta besta vil, fui muito molestada por ela. Ia para me deitar, esperando poder dormir; não sucedeu, porém, assim. A princípio recebi uma pancada das mais terríveis, de que pensei morrer. O malvado tinha a forma dum grande cão negro, e punha-me as patas sobre os ombros. Tratou-me de tal modo que em um dado momento supus ter os ossos todos quebrados. Pouco depois, como eu tomasse água benta, torceu-me o braço com extrema violência e caí em dor. Os ossos estavam completamente deslocados, Jesus, porém, veio repô-los no seu lugar, tocando-os, e tudo ficou remediado.

Em outra carta: 

“Também ontem o demônio me afligiu. Minha tia mandou-me que fosse encher os jarros do quarto. Ao passar com os jarros na mão, diante da imagem do Coração de Jesus, dirigi-lhe com amor uma prece fervorosa; imediatamente senti darem-me sobre os ombros uma bastonada tão forte que cai por terra, sem nada quebrar. Ainda hoje me sinto muito mal e menor trabalho me causa dor.”

A santa menina escrevia-me ainda:

“Acabo de passar, como de costume, uma noite má. O demônio apresentou-se diante de mim sob a figura de um imenso gigante e bateu-me durante toda a noite, dizendo: para ti já não há esperança de salvação, estás em meu poder. Respondi que nada temia porque Deus é misericordioso. Então, espumando de raiva, deu-me uma grande pancada na cabeça e desapareceu gritando: maldita sejas. Fui para o quarto repousar um pouco, mas tornei a encontrá-lo lá. Começou de novo a bater-me com uma corda toda aos nós. Batia-me por eu me opor a fazer o mal que sugeria. Não, lhe dizia eu; e ele redobrava as pancadas, batendo-me violentamente com a cabeça no chão. De repente tive a lembrança de implorar o auxílio do divino Pai de Jesus e exclamei: Pai Eterno, livrai-me pelo sangue preciosíssimo de Jesus. Imediatamente o velhaco deu-me uma pancada formidável, atirou-me abaixo da cama e fez-me bater a cabeça no chão com tanta violência que perdi os sentidos com a dor. Só muito tempo depois os recuperei. Demos graças a Jesus.”

Estas cenas repetiam-se muito freqüentemente, e, em certas épocas todos os dias. A pobre padecente estava quase habituada a elas. Excetuando as torturas corporais, podemos dizer que a vista do monstro infernal já não a atemorizava. Olhava-o com a mesma serenidade com que a pomba olha para um animal imundo. Gema algumas vezes entretinha-se a responder-lhe e a humilhá-lo, quando não estava proibida de o fazer; e, quando à invocação do Santíssimo Nome de Jesus, a hedionda besta se rolava por terra para fugir em seguida a toda pressa, a ingênua menina acompanhava-a com zombarias e francas gargalhadas. “Se vísseis, Padre, como ele fugia e tropeçava em sua fuga raivosa, ter-vos-ieis rido comigo.” Assistia eu uma ocasião à piedosa menina, gravemente doente e em perigo de vida. Sentado a um canto do quarto rezava tranquilamente o Breviário, quando um enorme gato muito preto e de aspecto terrificante me saltou impetuosamente para os pés. Deu uma volta pelo quarto, saltou para o leito da doente e colocou-se muito perto do seu rosto, fixando nela um olhar feroz. O sangue gelou-me nas veias; Gema, porém, permanecia muito serena. Então! Que há de novo? Lhe disse eu, ocultando o melhor possível a minha atrapalhação. – Não tenhais medo, Padre, é esse velhaco do demônio que quer molestar-me, mas não temais, a vós não fará mal nenhum. A tremer aproximei-me do leito, tomei água benta e aspergi-o. A visão desapareceu imediatamente, sem ter conseguido alterar por um só momento a paz profunda da doente.

A única coisa que aterrava verdadeiramente Gema era o receio de ceder às sugestões do inimigo e ofender a Deus. Embora nunca tivesse caído durante o passado, o perigo parecia-lhe iminente e conservava-a aterrorizada. Não esquecia nenhum meio de defesa: Cruz, relíquias dos Santos, escapulários, exorcismos, e, acima de tudo, recurso filial a Deus, a Maria Santíssima, ao Anjo da Guarda e ao diretor de sua alma. Escrevia-me: 

“Vinde depressa, Padre, ou ao menos daí fazei exorcismos, porque o demônio persegue-me por todos os modos; ajudai-me a salvar a alma, tenho medo de já estar nas mãos de satanás. Ah! Se soubésseis como sofro! Como ele estava contente esta noite! Agarrou-me pelos cabelos e puxava por eles dizendo: desobediência! desobediência! Quero concluir desta vez, vem, vem comigo! Queria levar-me para o inferno. Atormentou-me durante mais de quatro horas. Foi assim que se passou a noite. Tenho receio de o atender um dia ou outro e vir a desagradar a Jesus.”

Em algumas raríssimas ocasiões o Senhor permitiu ao demônio apoderar-se de todo o seu ser, ligar as potências da sua alma e perturbar-lhe a imaginação a tal ponto que se poderia julgar possessa. Causava dó vê-la neste estado miserável. Ela mesma tinha-lhe um tal horror que, só com lembrar-se dele, empalidecia e começava a tremer. “Ó Deus, dizia ela, estive no inferno sem Jesus, sem a divina Mãe, sem o Anjo! Se saí de lá sem pecado só a Vós o devo, ó Jesus. Apesar de tudo, estou contente, porque sofrendo assim e sofrendo sempre, faço a Vossa santíssima Vontade.” Se estes assaltos do demônio se tivessem repetido mais vastas vezes ou tivessem sido de mais longa duração, a pobre padecente, apesar de muito resignada, teria com certeza perdido a vida. A estas atribulações juntavam-se as dores de cruéis doenças, provocadas, como temos fortes razões para o crer, pelo próprio espírito infernal. E se refletirmos que Gema estava ao mesmo tempo miraculosamente associada a todos os tormentos sofridos pelo divino Redentor na Sua Paixão, teremos uma idéia da grandeza do martírio desta virgem heróica, que se tinha oferecido em holocausto ao Senhor.

Todavia, declarava-se feliz no meio deste mar de sofrimentos físicos e morais, feliz por se parecer assim com o Homem das Dores, por se elevar sempre mais nas puras regiões do amor divino e expiar pela sua parte os pecados do mundo.

Um dos dogmas mais consoladores da nossa crença é o dos Anjos Custódios. Depois do pecado original, o homem enfraquecido e miserável, tinha necessidade de auxílio e conselho para andar pelo caminho do bem e atingir o fim para que foi criado. Em Sua misericórdia infinita e paternal ternura, o Senhor veio em auxílio dos pobres filhos de Eva que queria salvar, colocando-os sob a proteção dos Anjos, ministros da Sua Corte Celeste. Cada um de nós é assistido por um destes puros espíritos, que chamamos com razão o nosso bom Anjo. Toma-nos pela mão, logo que entramos na vida, para não mais nos deixar durante a nossa peregrinação pelo mundo. “Eis, diz o Senhor, que Eu envio o meu Anjo para ir adiante de ti, para te proteger no caminho e introduzir no lugar que te preparei.”

Se Deus provê com solicitude às necessidades de todas as Suas criaturas, tem um particular cuidado com as eleitas que, como Ele mesmo diz, Lhe são tão queridas como as meninas dos Seus olhos, e entre os escolhidos tem ainda preferências. Daí resultam os diferentes graus de importância da missão misericordiosa dos Anjos Custódios. Estando Gema predestinada para um grau muito elevado de glória e felicidade celeste, era natural e conforme à Sabedoria divina que o anjo proposto para a guardar tivesse com ela um cuidado muito especial. A graça que já se manifestava nesta alma ditosa por fenômenos tão prodigiosos, ia aumentar dum modo não menos prodigioso com a assistência do seu bom Anjo.

Quem não conhecesse pelos Sagrados Livros a tocante história de Tobias e pela hagiografia cristã a sua freqüente repetição na vida dos Santos canonizados, seria tentado talvez a supor exagerados os detalhes maravilhosos que vou referir. Mas o Senhor prodigaliza todos os dias a Seus filhos bens muito preciosos sem que ninguém se lembre de Lhe dizer: por que Vos mostrais tão bom? Gema estava admiravelmente preparada para os favores do seu Anjo pelas mais belas virtudes: inocência, pureza, candura, simplicidade de criança, e, acima de tudo, fé muito viva que lhe deixava ver quase a descoberto os mistérios da eternidade. Com certeza o espírito celeste devia encontrar na sua feliz protegida alguma semelhança com a natureza angélica que lhe permitia, sem se rebaixar muito, conservar com ela relações familiares.

O mais maravilhoso neste suave comércio era a presença sensível e quase contínua do Anjo da Guarda. Gema via-o com os olhos do corpo, tocava-o com as mãos, como se fosse uma pessoa viva, conversava com ele como com um amigo. Escrevia-me o seguinte: “Há seis dias que não vejo Jesus. Ele porém não me deixou completamente só; o Anjo da Guarda conserva-se sempre visível junto de mim.”

Com que fervor dava graças a Deus por este benefício, e testemunhava ao espírito protetor o seu reconhecimento! “Se alguma vez for má, querido Anjo, lhe dizia ela, não te zangues. Quero mostrar-te a minha gratidão. – Sim, respondia o celeste guarda, serei teu guia e teu companheiro inseparável. Não sabes Quem te confiou à minha guarda? Foi o misericordioso Jesus.” A estas palavras a santa menina, não podendo conter os sentimentos da sua alma, perdia os sentidos e entrava em êxtase na companhia do seu Anjo. O que se passava então ela mesma o conta por estas simples palavras: “Permanecíamos ambos com Jesus. Oh! Se estivésseis conosco Padre.” Permanecer com Jesus era mergulhar-se, com o espírito e o coração, no oceano imenso da Divindade para aí aprender e contemplar inefáveis mistérios. De ordinário, Gema e o Anjo da Guarda passavam os seus colóquios a orar juntamente ou a louvar o Altíssimo. Os Anjos, segundo um santo Doutor, deleitam-se em assistir às almas em oração. O arcanjo Rafael disse ao velho Tobias que durante as suas orações ele mesmo as oferecia secretamente ao Senhor.

Que objeto de complacência devia ser para o seu Anjo da Guarda esta admirável menina cujo coração, como a lâmpada do Santuário, velava sempre diante do seu Deus com extraordinária vivacidade de fé? Gostava de lhe aparecer, umas vezes ajoelhado ao seu lado, outras elevado da terra, com as asas abertas e as mãos estendidas sobre ela, ou juntas na atitude de orar. Recitavam alternadamente as orações vocais e os salmos, e, se diziam jaculatórias, “era [ele], segundo as próprias palavras de Gema, quem com mais força exclamava: Viva Jesus! Bendito seja Jesus! E outras afetuosas aspirações.”

Nas horas de meditação o Anjo infundia-lhe no espírito luzes altíssimas, dava ao seu coração suaves e fortes impulsos para que o santo exercício fosse perfeito, e, como a Paixão do Salvador era quase sempre o assunto da meditação, descobria-lhe os Seus profundos mistérios. “Considera, dizia ele, quanto Jesus sofreu pelo homem, considera uma por uma estas Chagas. Foi o amor que as abriu todas. Vê quão horrível é o pecado cuja expiação custou tanta dor e tanto amor.” Estes belíssimos pensamentos iam ferir o coração da donzela como outros tantos raios de luz e de fogo. Tendo assistido pessoalmente muitas vezes às orações e às meditações de Gema e do seu Anjo da Guarda, pude convencer-me, só pelas minhas observações exteriores, da realidade de todos os detalhes que ela me dava depois do exercício nas suas comunicações de consciência.

Notei igualmente que todas as vezes que ela levantava os olhos para o Anjo a fim de o ouvir ou lhe falar, mesmo fora da oração, perdia o uso dos sentidos. Nesses momentos podia-se picar, queimar sem que a sua sensibilidade fosse despertada. Mas vinha a si logo que afastava os olhos do Anjo ou cessava o colóquio. Este fenômeno renovava-se infalivelmente em cada uma das suas comunicações celestes, por mais próximas que fossem. Sempre e por toda a parte, no meio das ocupações, no caminho, mesmo à mesa, o Anjo esta à disposição de Gema e Gema à disposição do Anjo. Nenhum sinal exterior manifestava os seus santos colóquios, exceto a absoluta imobilidade da vidente e o brilho sobrehumano do seu olhar. Bastava tocá-la para nos convencermos, em atenção à sua insensibilidade, que estava fora dos sentidos e em relações com o sobrenatural. Estes colóquios respiravam muitas vezes a maior simplicidade, e a familiaridade do Anjo só tinha igual na do Arcanjo Rafael com o jovem Tobias.

“Dizei-me, meu Anjo, interrogava a donzela, o que tinha esta manhã o meu confessor para ser tão severo e recusar ouvir-me? E o Padre, responderá de Roma à carta urgente em que lhe peço uma regra de conduta sobre tal ponto? Dize-me, meu querido Anjo, quando é que Jesus me converterá este pecador por quem me interesso? Que devo responder a tal pessoa que me pede conselho? E o que vos parece de mim? Jesus está contente? Como poderei agradar-Lhe”.

O Anjo, acomodando-se com um encantadora condescendência a esta ingenuidade algum tanto importuna, respondia a tudo. E os acontecimentos não tardavam a mostrar a origem sobrenatural das respostas. Seria preciso um volume para referir estas diversas comunicações, mas talvez me fosse preciso um outro para defender a sua realidade, tão extraordinárias parecem muitas vezes e tão difíceis de aceitar pelo racionalismo contemporâneo.

Pode dizer-se, dum modo geral, que o Anjo da Guarda era para Gema um segundo Jesus. Ela expunha-lhe as suas necessidades e as dos outros, queria-o incessantemente junto de si durante os seus temores e sobretudo durante as lutas contra o infernal inimigo; confiava-lhe diversas mensagens para Deus, para a Virgem Santíssima, para os Santos seus advogados, dava-lhe até cartas fechadas e lacradas com destino a um ou outro destes advogados, pedindo-lhe que a seu tempo trouxesse a resposta, e a maravilha é que estas cartas eram levadas realmente por um ser invisível. Depois de ter tomado todas as precauções para me certificar da intervenção duma causa sobrenatural no seu desaparecimento, vi que me devia convencer de que neste ponto, como em outros não menos prodigiosos, o Céu, para assim dizer, queria brincar com uma menina, cuja simplicidade lhe era tão querida.

 Muitas vezes encarregava o Anjo da Guarda dum negócio particular perante alguma pessoa deste mundo, e qual não era a sua admiração quando não via chegar a resposta! “E não obstante, escrevia ela, há já tantos dias que vo-lo mandei dizer pelo Anjo; como não fizeste caso? Ao menos podíeis mandar-me dizer por ele que não era vossa intenção ocupar-vos deste negócio. Em todo o caso não vos zangueis, insisto de novo por meio deste carta.”

 Deste modo o mensageiro celeste encontrava-se constantemente preparado para o serviço desta jovem virgem de inefável candura. Além disso, prestava-se de bom grado a todos os seus desejos, acudia, mesmo sem ser invocado, ao menor perigo, à menor necessidade; refreava a audácia do demônio, sempre pronto a maltratar a sua protegida, e algumas vezes lutava para lha tirar das mãos brutais. Eis alguns fatos relativos a esta assistência: uma vez, estando à mesa ainda em casa de seus pais, uma das pessoas presentes, deixando-se levar pelos maus costumes do nosso tempo, proferiu uma blasfêmia contra o adorável Nome de Deus. Logo que Gema a ouviu perdeu os sentidos com a dor e ia a cair da cadeira; antes, porém, que batesse com a cabeça no chão, o Anjo a acudiu e com uma só palavra dita ao coração fez-lhe retomar imediatamente os sentidos. Por outra vez, perdida na contemplação, encontrava-se ainda na igreja, sendo já tarde; o Anjo advertiu-a e na volta acompanhou-a, sob uma forma visível, até à porta de casa

Um dia o demônio tinha-lhe batido tão cruelmente no momento da oração da noite que a pobre menina ficou impossibilitada de se mover. O Anjo da Guarda ofereceu-lhe o seu auxílio, ajudou-a a subir para o leito e pôs-se de guarda à cabeceira. O Anjo avisava-a em muitas circunstâncias em que a sua vida podia correr perigo e indicava-lhe as precauções a tomar. Sem a sua intervenção, por mais duma vez teria sido vítima de algum acidente, tão pouco era o cuidado que tinha de si. Um dia disse-lhe [o Anjo] em tom de amável censura: “Pobre pequena, como és imperfeita; tenho de velar continuamente por ti.”

A missão dos Anjos Custódios tem como objeto principal os interesses espirituais das almas. Eles devem ser, segundo os desígnios da Providência, instrumentos de santificação para nos conduzir pelos caminhos difíceis da virtude. O Anjo de Gema não perdia uma ocasião de a repreender, de a aconselhar e mesmo de a instruir por ensinamentos cheios de celeste sabedoria, que a menina conservou em parte nas relações que enviava ao diretor espiritual. Uma vez, para que não se perdesse uma sílaba, o Anjo fez-lhe escrever alguns destes ensinamentos que ia ditando. Por sua ordem, Gema sentou-se à mesa, tomou a pena e o papel, enquanto que ele, de pé a seu lado, como um professor junto do aluno, começava:

“Lembra-te que aquele que ama verdadeiramente a Jesus fala pouco e sofre tudo. Ordeno-te da parte de Jesus, que nunca digas a tua opinião, se não te for pedida, que nunca sustentes o teu sentimento, mas que cedas depressa. Quando cometeres qualquer falta, acusa-te imediatamente sem ser preciso que outros te avisem. Obediência pontual e sem réplica ao teu confessor, sinceridade com ele e com os outros; não te esqueças de guardar a vista, lembrando-te que os olhos mortificados contemplarão as belezas do Céu.”

O santo Anjo sabia usar de rigor com a sua discípula; não lhe deixava passar nenhuma imperfeição e corrigia-a sem piedade, a ponto de ela me dizer: “O meu Anjo é um pouco severo, mas sinto-me bem com isso. Nos últimos dias chegou a repreender-me três a quatro vezes por dia.” Parece até que o vigilante guarda saiu dos justos limites numa ocasião:

“Ontem, escrevia-me Gema, durante a refeição levantei os olhos e vi o Anjo lançar-me olhares severos, não falava. Mais tarde, quando fui repousar, olhei outra vez para ele, mas baixei a vista depressa; meu Deus como estava irritado! – Disse: ‘Não tens vergonha de cometer faltas em minha presença?’ Lançava-me alguns olhares tão severos... eu não fazia senão chorar. Supliquei a Deus e a minha celeste Mãe que o tirasse de diante de mim, pois não podia resistir mais. De quando em quando repetia: ‘Envergonho-me de ti.’ – Pedi para que ninguém o veja neste estado, pois os que o vissem com certeza não quereriam mais aproximar-se de mim. Sofri um dia inteiro, não pude recolher-me um só momento; o seu aspecto permanecia tão severo que eu não tinha coragem para lhe falar. Ontem de noite não consegui adormecer até que, finalmente, pelas duas horas da manhã, o vi aproximar-se; pôs-me a mão sobre a fronte dizendo: ‘Dorme, má.’ E não o vi mais.”

Não se pode dizer quanto fruto tirava deste magistério angélico a santa menina, sempre sedenta de virtude e de santidade. Atenta às menores palavras do Anjo, cumpria de todo o coração as penitências que ele muitas vezes impunha, para ver se lhe agradava.

“Repugnava-me muito, dizia-me ela, andar a dizer ao meu confessor certas coisas, como o Anjo me ordenava por penitência; todavia obedeci e, logo de manhã, violentando-me, corri a dizer-lhas. Depois desta vitória sobre mim mesma, o Anjo, muito contente, tornou-se bom para mim.”

Gema amava este guarda tão dedicado pelo bem da sua alma. Tinha constantemente o seu nome nos lábios como no coração. “Querido Anjo, dizia ela, quanto vos amo! – E por quê?, perguntava ele. – Porque me ensinais a ser boa e a conservar-me na humildade.”

Não admira que este vivo afeto, numa alma simples e ingênua, desse origem a uma familiaridade que pode parecer excessiva. Ao ouvir as conversas de Gema com o seu querido Anjo, ao ouvi-la discutir vivamente para o levar a ter a sua opinião, dir-se-ia que tratava com um igual. Eu mesmo a princípio fiquei admirado, adverti-a de que era mau o seu proceder e disse-lhe que era orgulhosa, pois levava a familiaridade até ao ponto de tratar por ‘tu’ a um espírito puro em vez de tremer diante dele. Para a experimentar, proibi que ultrapassasse certos limites. A donzela baixou a cabeça e respondeu com toda a humildade: “Tendes muita razão, Padre; hei de corrigir-me. Daqui por diante direi sempre ‘vós’ ao Anjo; e quando me for dado vê-lo, testemunhar-lhe-ei grande reverência, conservando-me a cem passos atrás dele.”

Na primeira visita do celeste guarda, Gema advertiu-o da norma de conduta: “Tende paciência, querido Anjo, o Padre não está contente, preciso de mudar de procedimento.” E absteve-se de ultrapassar o limite marcado enquanto não levantei a proibição. Pela força do hábito, acontecia-lhe muitas vezes enganar-se e misturar o ‘tu’ com o ‘vós’, mas corrigia-se, mesmo em êxtase. Algumas vezes o Anjo não aparecia só, mas com outros espíritos celestes para fazerem alegre companhia à angélica irmãzinha. Logo que tive conhecimento disso, mostrei estar muito descontente e escrevi a Gema dizendo, sempre para pôr à prova a sua virtude, que era tempo de acabar. Gema respondeu: “Na verdade, Padre, não compreendo nada disso. Os outros, quando estão a rezar, vêem o seu Anjo da Guarda. Se eu também o vejo, ralhais e afligi-vos. Mas ontem, dia em que eles se festejavam, despedi-os a todos. O meu não quis partir, nem o outro em que vos falei; ora que hei de eu fazer? Não vos zangueis outra vez, serei boa e obediente”.

A familiaridade de Gema com o Anjo da Guarda era simples, espontânea, cheia de humildade, como testemunham as duas seguintes aparições, tomadas entre mil e contadas pela própria menina:

“Estava eu no leito, muito atormentada, quando me senti subitamente possuída dum profundo recolhimento. Juntei as mãos e com toda a força do meu fraco coração fiz o ato de contrição com uma viva dor dos meus inúmeros pecados. Estando o meu espírito absorvido pela lembrança das minhas ofensas, notei o Anjo junto do leito. Fiquei envergonhada de ver em sua presença. Ele, ao contrário, com uma amabilidade cheia de encanto, disse-me: ‘Jesus tem uma grande afeição por ti, ama-O muito.’ – Depois acrescentou: Amas a Mãe de Jesus? Envia-Lhe muitas vezes as tuas saudações. Ela fica muito contente em as receber e nunca deixa de as retribuir. Se não o faz sempre sensivelmente, é para experimentar a tua fidelidade.’ – Abençoou-me e desapareceu.”

Outra visão:

“Enquanto fazia as minhas orações da noite, o Anjo da Guarda aproximou-se de mim e, batendo-me no ombro, disse: ‘Gema, como é que tu levas tanto desgosto para a oração?’ – Não é desgosto, respondi, há dois dias que não me sinto bem. – Ele continuou: ‘Faze o teu dever com cuidado e Jesus te amará mais.’ – Roguei-lhe que fosse pedir a Jesus permissão para passar a noite junto de mim. Desapareceu imediatamente e, obtida a permissão, voltou para o meu lado. Oh! Como se mostrou bom! Quando estava para partir, pedi-lhe que não me deixasse ainda. – ‘Não posso, respondeu, é conveniente que eu vá’. – Está bem, ide, lhe disse eu, saudai a Jesus por mim. Lançando-me um último olhar, acrescentou: ‘Não quero que tenhas conversações com as criaturas. Quando quiseres falar, fala com Jesus e com o teu Anjo da Guarda.”

Tal é, pouco mais ou menos, o gênero das outras aparições. Daqui se pode concluir como devia ser amada de Deus esta virgem que recebia a honra de ser assim visitada, assistida e dirigida por espíritos angélicos nos caminhos da santidade. Não lhe tenhamos inveja, porque também nós recebemos do mesmo Pai celeste um Anjo para nos guardar, e se formos, como Gema, muito puros, muito humildes, simples de coração, cheios de fé e de santos desejos de perfeição, ele também nos cercará da mesma solicitude e do mesmo amor.

(Servo de Deus Padre Germano de Santo Estanislau, CP, in: Gema Galgani, Virgem de Luca. Tradução e edição do Padre Matos Soares, Porto: 1923, páginas 203-220 e 319-322).

Fonte: https://a-grande-guerra.blogspot.com.br

 

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